“Venho muitas vezes a Benfica e vou sempre ali à porta”, Lurdes Seguro fica “ali parada, a recordar” as memórias da antiga Fábrica Simões, uma referência da indústria Lisboeta que não resistiu à morte do fundador, ao PREC e ao tempo. “Passámos muitos bons momentos. Uma de nós que precisasse de alguma coisa, a outra estava lá para ajudar. Éramos uma família”. As funcionárias mais velhas eram tratadas por mãe, outras por tias. Quando fechou portas definitivamente, em 1987, Celeste Cardoso sentiu-se como se tivesse perdido um ente querido. “Foi um desgosto tão grande. Chorei tanto!”
“A Fábrica é como se fosse uma pessoa da família. Trabalhei lá mais de 30 anos. Era como se fosse nossa, era um bocadinho de toda a gente!”
Lurdes tem 72 anos. Celeste, 73. São amigas há 60, embora só recentemente se tenham reencontrado. “Foi um ponto de encontro”, revela Celeste. Entraram ambas com 12 anos para a Fábrica Simões. Da Avenida Gomes Pereira, então conhecida como Rua da Fábrica, saía produção têxtil com fartura, combinações, cuecas, meias de vidro, peúgas, pijamas, camisolas, camisas… As meias C.D, por exemplo. “A fábrica era visitada por muita gente, mas à secção dos peúgos para homem nunca iam. Nem nós lá íamos. Era uma marca muito conceituada e as pessoas gostavam muito” diz Lurdes. “Não podíamos dizer que os peúgos eram feitos na Fabrica Simões.” Celeste corrobora: “Até porque as etiquetas vinham do estrangeiro”. No sentido inverso, seguiam as encomendas dos clientes americanos.
José Simões, um dos sócios fundadores, ainda é lembrado com saudade por quem trabalhou na Fábrica. Quando morreu, nos anos 60, deixou uma quantia em dinheiro a cada funcionário.
A ideia de comunidade que José Simões criou tinha reflexo na forma como tratava os filhos dos trabalhadores: não só disponibilizava gratuitamente uma creche, defronte da fábrica, onde davam banho aos miúdos todos os dias, como os vestia dos pés à cabeça na altura do Natal. “Desde as cuecas aos sapatos. Fatinho, gravata e laço.”, enumera Lurdes. “Até tal data, tínhamos de dar a idade, as alturas, as larguras, tudo”, completa Celeste. Luís Filipe Vieira, o actual presidente do Sport Lisboa e Benfica, era um desses miúdos: “Recordo-me muito bem da antiga Fábrica Simões. Foram muitos os anos que a minha mãe ali trabalhou. Apesar dos tempos difíceis que vivíamos, são boas as memórias que tenho da fábrica e dos tempos em que por ali brincava com outras crianças. E recordo-me, também, que quando era miúdo vestiam-me dos pés à cabeça”.
Artigo desenvolvido em parceria com a Revista Time Out. Consulte o artigo completo neste link.